Olhando para o mapa da América do Sul, é evidente que o eixo natural de integração do subcontinente na direção norte-sul é composto pelos rios Orinoco, Negro, Amazonas, Madeira, Guaporé, Paraguai, Paraná e Plata.
Estes rios se estendem entre os Andes e o Cerrado, formando uma extensão de cerca de 10.000 km, com um único “ponto seco” entre as bacias do Amazonas e do Paraguai-Paraná-Plata.
A importância estratégica desta linha de integração para o interior sul-americano foi reconhecida pela primeira vez no final do século XVIII pelo governador da província de Mato Grosso, Luís Albuquerque de Melo e Cáceres, e no início do século XIX pelo naturalista Alexander von Humboldt.
O engenheiro e professor Vasco de Azevedo Neto denominou este sistema de “Grande Hidrovia”.
Em junho de 1992, os países da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram um acordo para o transporte fluvial pela Hidrovia Paraguai-Paraná durante uma reunião em Las Leñas, Argentina.
O acordo previa a navegação com um calado de seis pés (1,80 m) ao longo de 3.442 quilômetros, desde Cáceres, no Mato Grosso, até Nueva Palmira, no Uruguai.
Logo após, organizações ambientalistas internacionais começaram a se mobilizar contra o projeto.
No início de 1993, a ONG americana “Wetlands for the Americas”, financiada pela “W. Alton Jones Foundation”, publicou um relatório alertando sobre a “vulnerabilidade” do Pantanal, sugerindo que o desenvolvimento da hidrovia poderia prejudicar essa vasta área de pântanos.
A partir de então, o movimento ambiental global intensificou a campanha pela “intocabilidade” do Pantanal, elevando-o ao status de “santuário ecológico”. Em 1994, o “WWF” financiou exposições fotográficas no Brasil e no exterior para sensibilizar o público, o que culminou na formação de grupos como a ONG “Living Rivers” junto a outras organizações internacionais, dedicadas a impedir a hidrovia.
Em meados de 2000, um acordo foi assinado entre o governo de Mato Grosso, a “American Company of River Transport (ACBL)” e a “Inter-American Navigation and Commerce Company (CINCO)” para construir um terminal multimodal em Morrinhos, a 85 km de Cáceres, com um investimento de US$ 12 milhões.
No entanto, o processo de licenciamento ambiental foi obstruído por liminares judiciais.
Em janeiro de 2001, o juiz Tourinho Neto manteve uma liminar que obrigava o “IBAMA” a emitir uma única licença ambiental para todo o trecho brasileiro da hidrovia.
Esta liminar resultou de uma ação civil pública que exigia um único estudo de impacto ambiental para todas as obras relacionadas, incluindo dragagens e construção de acessos a portos.
Desde então, um impasse jurídico tem impedido o desenvolvimento da seção brasileira da hidrovia.
Em resposta, em 2004, os governos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul iniciaram ações legais para reverter a decisão judicial.
De forma suspeita, pouco tempo depois, a ONG “The Nature Conservancy (TNC)” anunciou um programa de US$ 2,5 milhões para a conservação da região, que muitos veem como uma estratégia para inviabilizar a hidrovia.
Este programa, segundo críticos, mascara interesses geopolíticos anglo-americanos, como evidenciado por declarações de representantes da “TNC” no Brasil, que destacam os perigos da expansão agrícola para o Pantanal, comparando-a com o impacto histórico na bacia do Mississippi.
Em março de 2005, um seminário em Cuiabá discutiu a infraestrutura multimodal, com o governador Blairo Maggi enfatizando a necessidade de cooperação para superar os obstáculos legais e técnicos.
O Secretário de Infraestrutura, Luiz Antonio Pagot, ressaltou a importância das hidrovias para o desenvolvimento econômico e a redução dos custos de transporte.
Michel Chaim, da “Cinco & Bacia”, criticou a burocracia e o ativismo ambiental internacional, sugerindo que a verdadeira intenção é impedir o desenvolvimento do Brasil, enquanto reconheceu a necessidade de responsabilidade ambiental.
Ele prevê um futuro onde a integração fluvial poderia se estender por 10.000 quilômetros, conectando Buenos Aires a Iquitos, no Peru, uma visão que desafia os interesses de quem se beneficia do status quo ambiental global.
Siga Antoine Bachelin Sena no Twitter : x.com\antoinebachelin