Dossiê JBS – Como um Açougue se Tornou Líder Global em 20 Anos
- fevereiro 22, 2025
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A história da JBS é uma das mais impressionantes — e controversas — trajetórias empresariais do Brasil e do mundo. De um pequeno açougue em Anápolis, Goiás, fundado
A história da JBS é uma das mais impressionantes — e controversas — trajetórias empresariais do Brasil e do mundo. De um pequeno açougue em Anápolis, Goiás, fundado
A história da JBS é uma das mais impressionantes — e controversas — trajetórias empresariais do Brasil e do mundo. De um pequeno açougue em Anápolis, Goiás, fundado em 1953, a empresa se transformou, em menos de duas décadas, na maior processadora de proteínas do planeta. Esse crescimento meteórico foi impulsionado por uma combinação de visão estratégica, financiamento público massivo, escândalos de corrupção e uma consolidação que levantou acusações de monopólio global. Este dossiê detalha essa ascensão, com ênfase nos fatores-chave que moldaram a JBS, incluindo o papel do Estado brasileiro, os escândalos que abalaram sua reputação e as implicações internacionais de sua dominância.
Origens e Expansão Inicial (1953-2000)
A JBS nasceu como um modesto negócio familiar, fundado por José Batista Sobrinho (daí o nome JBS) em Anápolis, Goiás. Inicialmente, era um açougue que atendia à demanda local, mas começou a crescer ao abater pequenas quantidades de gado para frigoríficos regionais. Nos anos 1970 e 1980, a empresa expandiu sua capacidade ao adquirir pequenos frigoríficos no Centro-Oeste brasileiro, aproveitando a abundância de gado na região.
A virada veio nos anos 1990, quando os irmãos Wesley e Joesley Batista, filhos do fundador, assumiram posições de liderança. Sob sua gestão, a JBS começou a mirar mercados maiores, mas ainda era uma empresa de porte regional até o início dos anos 2000. O Brasil, nessa época, já se consolidava como um dos maiores exportadores de carne do mundo, mas o setor era fragmentado, com centenas de frigoríficos pequenos e médios competindo com players como Sadia e Perdigão.
A Escalada com Financiamento Público (2000-2013)
A ascensão da JBS para o topo global começou na década de 2000, impulsionada por uma estratégia agressiva de aquisições e, sobretudo, pelo apoio financeiro do governo brasileiro. Esse período coincidiu com a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) do governo Lula (2003-2010), que visava criar “campeões nacionais” — empresas brasileiras capazes de competir globalmente. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi o principal instrumento dessa política, e a JBS se beneficiou enormemente.
Apoio do BNDES
Entre 2005 e 2013, o BNDES injetou mais de R$ 11 bilhões na JBS (valores estimados à época, corrigidos podem ultrapassar R$ 20 bilhões hoje). Esses recursos vieram na forma de empréstimos com juros subsidiados (taxas entre 6% e 8,5% ao ano, contra 14%-22% do mercado) e participações acionárias via BNDESPar, que chegou a deter cerca de 25% da companhia em seu auge.
2007 – Aquisição da Swift (EUA): Com R$ 1,4 bilhão do BNDES, a JBS comprou a americana Swift, marcando sua entrada no mercado internacional e se tornando a primeira empresa brasileira a liderar o setor de carne bovina nos EUA.
2009 – Fusão com a Bertin e Compra da Pilgrim’s Pride: A fusão com a Bertin, segunda maior processadora de carne do Brasil na época, foi financiada com R$ 3,4 bilhões do BNDES. No mesmo ano, a aquisição da Pilgrim’s Pride (EUA) por R$ 2,8 bilhões consolidou a JBS como líder global em carne de frango.
2013 – Aquisição da Seara: Por R$ 5,8 bilhões, a JBS comprou a Seara, antiga rival da BRF no setor de aves e suínos, ampliando ainda mais seu portfólio.
Esse financiamento público deu à JBS uma vantagem competitiva incomparável: enquanto pequenos frigoríficos lutavam por crédito caro no mercado, a JBS tinha acesso a recursos baratos e abundantes, permitindo-lhe adquirir concorrentes e escalar rapidamente.
Escândalos de Corrupção e Repercussões
O crescimento da JBS não veio sem custos para sua reputação. A partir de 2017, a empresa foi envolvida em uma série de escândalos que expuseram sua relação íntima com o poder político no Brasil e levantaram questões sobre a legalidade de seus financiamentos.
Operação Carne Fraca (2017)
A Operação Carne Fraca, deflagrada pela Polícia Federal em 2017, investigou esquemas de corrupção envolvendo frigoríficos e fiscais do Ministério da Agricultura. Descobriu-se que empresas, incluindo a JBS, pagavam propinas para burlar inspeções sanitárias e vender carne adulterada.
O escândalo teve um impacto devastador no setor de carnes do Brasil. Pequenos e médios frigoríficos, que já enfrentavam dificuldades de financiamento, foram duramente afetados por novas regulamentações e exigências mais rigorosas impostas após o escândalo. Essas medidas aumentaram os custos operacionais de empresas menores, tornando inviável sua permanência no mercado. Enquanto isso, a JBS, com sua estrutura financeira robusta e presença global, conseguiu absorver o impacto e se consolidar ainda mais. Mais tarde descobriu-se que toda a operação foi furada:
Operação Lava Jato e Delação dos Batista
O golpe mais significativo veio com a Lava Jato. Em maio de 2017, Joesley e Wesley Batista firmaram um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal. Eles confessaram ter pago mais de R$ 600 milhões em propinas a políticos brasileiros, incluindo o ex-presidente Michel Temer e figuras do PT e MDB, em troca de favores como os financiamentos do BNDES e benefícios fiscais. Joesley gravou Temer em uma conversa comprometedora, desencadeando uma crise política.
Financiamento Suspeito: A delação revelou que parte dos empréstimos do BNDES foi obtida por meio de corrupção, com pagamentos a intermediários como o ex-ministro Guido Mantega.
Multa Recorde: Como parte do acordo de leniência, a JBS pagou R$ 10,3 bilhões ao governo brasileiro, uma das maiores multas corporativas da história.
Escândalos Internacionais
A expansão global da JBS também enfrentou críticas e investigações:
EUA (2017): A Pilgrim’s Pride foi acusada de manipular preços de frango, resultando em multas de US$ 110 milhões em 2020 após um acordo com o Departamento de Justiça americano.
Venezuela (2018): A JBS foi investigada por supostamente pagar propinas ao regime de Nicolás Maduro para manter contratos de exportação, embora as acusações não tenham resultado em condenações formais.
Consolidação de um Monopólio Global
Hoje, a JBS é a maior empresa de proteínas do mundo, com receita anual superior a US$ 70 bilhões (2023), presença em mais de 20 países e cerca de 270 mil funcionários. No Brasil, controla cerca de 50% das exportações de carne bovina e tem forte presença em aves e suínos. Sua dominância levanta acusações de monopólio, embora tecnicamente não seja um monopólio absoluto, pois competidores como BRF, Marfrig e Minerva ainda operam.
Fatores da Consolidação
Aquisições Predatórias: Além das compras financiadas pelo BNDES, a JBS adquiriu dezenas de frigoríficos menores no Brasil e no exterior, eliminando concorrentes ou absorvendo suas operações. Muito por conta de benefícios fiscais e até mesmo regulatórios.
Escala Inigualável: Com operações integradas (do abate à distribuição), a JBS consegue preços mais competitivos, sufocando pequenos produtores.
Apoio Governamental: Além do BNDES, políticas de exportação e abertura de mercados (como com a China) beneficiaram a JBS desproporcionalmente.
Acusações e Condenações
Brasil: O CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) investigou a JBS por práticas anticompetitivas, mas não impôs sanções significativas. Críticos apontam falta de vontade política para frear a empresa.
EUA: Além da multa da Pilgrim’s Pride, acionistas americanos processaram a JBS por perdas decorrentes dos escândalos de corrupção, resultando em acordos de US$ 238 milhões em 2021.
Europa: ONGs acusam a JBS de desmatamento na Amazônia, levando a boicotes por supermercados como Carrefour (França) em 2022, mas sem condenações judiciais.
A Lei Antitruste e o Livre Mercado
A ascensão da JBS contrasta com o papel das leis antitruste em países desenvolvidos, que historicamente promoveram o livre mercado e o desenvolvimento econômico ao evitar concentrações excessivas de poder. Nos EUA, a Lei Sherman (1890) e a Lei Clayton (1914) foram fundamentais para desmantelar monopólios como a Standard Oil, incentivando competição, inovação e preços justos. Na Europa, a União Europeia usa regulações rigorosas para limitar fusões que prejudicam consumidores, como visto no bloqueio da fusão GE-Honeywell em 2001.
A teoria do livre mercado, defendida por economistas como Adam Smith e Milton Friedman, argumenta que a competição é o motor do progresso. Monopólios, ao eliminarem rivais, podem aumentar preços, reduzir qualidade e sufocar inovação. Países que aplicaram leis antitruste eficazes, como os EUA no século XX, viram crescimento industrial e benefícios ao consumidor, enquanto a falta de regulação no Brasil permitiu que a JBS concentrasse poder com apoio estatal, distorcendo o mercado.
No caso da JBS, o financiamento público e a ausência de uma política antitruste robusta criaram um “campeão nacional” às custas de pequenos produtores e da concorrência. Isso ilustra como a intervenção estatal, quando mal regulada, pode contradizer os princípios do livre mercado, gerando críticas de que a JBS representa um “capitalismo de compadrio” em vez de uma vitória da livre iniciativa.
A JBS é um exemplo único: um açougue que, em 20 anos, dominou o mundo com esquema, bilhões do contribuinte e uma dose de escândalos. Sua história reflete tanto o potencial do Brasil quanto os riscos de um sistema onde o sucesso de poucos pode custar caro a muitos.